quinta-feira, 2 de julho de 2020

Memento Mori

Morte. Fim. Cortinas se fechando. O quão desesperado você se sente quando pensa nesse momento final? Ou se não sente desespero, o que sente? Desamparo, medo? Talvez essa resposta dependa das suas crenças espirituais e/ou filosóficas, mas em algum momento, todos nos deparamos com a consciência de que este é o nosso destino final nessa dimensão ao menos. Com a consciência que a vida como conhecemos e na qual estamos, de certa forma presos, um dia vai acabar.


A quarentena tem me proporcionado muito tempo para pensar sobre as questões mais sutis da vida, talvez mais do que pensar, sentir. A falta daquela tão conhecida rotina robótica me permitiu sentir com mais intensidade certas coisas que estavam dormentes no vórtex do dia a dia. Então, não tenho muito o que escrever sobre rotina e tenho muito o que dizer sobre questões mais elevadas.

Confesso que a morte com o fim de uma longa jornada me desperta um sentimento ambíguo: parece um alívio e uma tristeza caracterizada por um fim, um apagar de luzes, uma escuridão eterna. Um não mais existir. Um alívio pois, em boa parte das vezes, morrer de velhice me parece a melhor forma de morrer. A viagem foi concluída, passando por todas as fases, todas as realizações, todos os lugares e sensações. Legados são deixados. É como a satisfação de ver um grande e belo trabalho concluído.


Por outro lado você sabe que ali é o fim. Não há outra chance para aquela vida, não há como voltar no tempo. Simplesmente, não há mais nada que essa existência possa oferecer. E me pergunto como deve ser a sensação desse último fechar de olhos. Se é sufocante ou leve como cair num sono profundo. Se a nossa consciência se desliga como um aparelho desativado ou se cai no abismo aos poucos enquanto encaramos os rostos de nossos entes queridos a nos acompanhar nessa última partida. Me pergunto como é morrer sozinho, sem ninguém para encontrar um olhar reconfortante nesse momento.



A coisa que mais me dói sobre morrer é que até as nossas próprias mortes são efêmeras. São apenas um momento no tempo. Seremos esquecidos com o passar dos anos e os vivos seguirão com suas vidas para sempre e sempre, geração por geração. O que mais me dói é a efemeridade daquele momento de pena, de pesar. O que mais me dói é saber que o nosso fim é solitário e que nunca mais vamos poder desfrutar dessa vida uma segunda vez, enquanto os mais novos ainda tem anos e anos pela frente, os quais, não poderemos acompanhar e dividir. Nosso tempo de vida é breve demais, os anos voam como minutos. Construímos nossas vidas hoje para vê-las terminarem amanhã.

Eu não acredito muito que exista um pós vida, ou pelo menos, não como muitas crenças apregoam. Acredito que cada existência e jornadas são únicas e ainda que haja algum tipo de retorno, nenhum nunca será igual ao outro ou uma continuação do anterior. Mas isso é apenas a minha visão e ninguém tem que concordar com ela. Acho que algo em que todos concordamos é sobre a melancolia e impotência que temos diante da morte. Talvez esta, como o amor, seja uma das maiores maldições da nossa existência. Inevitável. Irreversível. Sem misericórdia.