domingo, 28 de abril de 2024

Baú de memórias - Traumas

 Esse é o terceiro post da série "Baú de memórias", onde vou resgatar alguns textos de escrita terapeutica que me sinto à vontade para compartilhar! 


Publicação de 21/12/2017 - Há 7 anos atrás, eu pensava que...

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Traumas. Eles são divisores de águas em nossas vidas. Podem acontecer em diversos momentos, podem vir em diversos níveis... Mas só quem já passou por um sabe dizer como é ou o que o trauma, ou os traumas, lhe fizeram... Por quantos anos eles se arrastaram, o quanto danificaram sua mente, seu coração, o quanto eles foram empecilhos em sua vida... o quanto eles te destruíram. A profundidade da dor que eles causaram.

Cada trauma é único, assim como cada pessoa o é. Bem como, cada um tem sua forma de lidar (ou não) com ele, bem como habilidade ou não de identifica-lo. Cada pessoa tem um nível diferente de consciência sobre si mesmo. A maioria de nós não consegue encontrar o caminho. E como se isso não bastasse, muitas vezes pessoas entram em nosso caminho somente para criar mais traumas ou reforçar os existentes. Infelizmente eu tive essa "sorte".


Separo os grandes traumas da minha vida em dois grupos: Os traumas causados em casa e os causados e reforçados por meu ex namorado.

O primeiro caso é, obviamente, o mais complexo. (Nota: texto suprimido por conter detalhes muito pessoais) 

Isso criou um dos maiores traumas que identifiquei a poucos dias: Ansiedade e medo de conflito. Ainda que hoje eu seja muito mais corajosa e segura do que poucos anos atrás. Fora de casa, com pessoas de fora, ainda consigo enfrentar um debate, mas por mais bobo que seja, dentro de mim é como se fosse uma guerra... fico ansiosa, minhas mãos suam, meu coração parece que vai explodir... E muitas vezes não há real motivo para isso.

Consigo ver a razão quando me aconselham a não me deixar envolver, mas é algo que não consigo controlar... algo que tem raízes, é um gatilho. Sei disso, pois tenho a mesma maldita sensação que tinha quando era criança/adolescente. Eu nunca vi isso com tanta clareza.

Hoje eu ainda sinto raiva por tudo isso, isso tudo ainda me afeta, apesar de conseguir lidar e controlar melhor. Sinto que só vou conseguir superar isso quando não mais conviver com essa figura e iniciar uma vida diferente.

Ainda que ele tenha melhorado um pouco, para mim, depois de tudo o que eu senti e passei durante tantos anos, com toda essa carga acumulada, não é o suficiente. Se parece que eu tratei o assunto com indiferença, não posso dizer que ele fez diferente. Se por medo ou covardia, não sei. Se por se sentir intimidado (o que reflete consciência de culpa), eu não sei. Mas ele nunca teve coragem de tentar consertar as coisas. E porque eu deveria? Nunca fiz nada para merecer nada disso. Nunca pedi ou dei motivos para nada disso... Eu sempre pareci estar muito bem com essa situação, indiferente, mas a real é que isso quebrou diversas coisas dentro de mim. E ninguém viu.

Isso se refletiu em tantos aspectos da minha vida que eu não sei como consegui encobrir, engolir, me manter de pé e orgulhosa de não aparentar sentir nada... De parecer sempre bem, sempre insensível... Mas nunca estava realmente bem.


Ou talvez eu saiba porque me comportei assim. Porque me tornei essa pessoa e porque fiz as escolhas que fiz. Autodefesa. É facilmente explicado psicologicamente. Quando você passa por muito sofrimento seu cérebro cria mecanismos de autodefesa e você passa a literalmente, não sentir nada. O problema é que isso pode chegar num ponto que além de você não sentir as coisas ruins, também não sente as boas. Ou seja, você se anula por dentro.

Foi o que começou a acontecer comigo. E agora, chegou a hora da segunda parte. Dos novos traumas e do reforço dos antigos.


Apesar de todas as merdas que já relatei e das que estão por vir, eu nunca realmente fiquei doente. Com depressão forte ou pânico ou ansiedade. Não profundamente. Mas passeei perigosamente no limite da queda, principalmente do meio para o final do meu antigo relacionamento. Não vou contar a história dele, só quero focar no que ele me fez sentir. E eu me sentia doente.

Quando dizem que você é a média das cinco pessoas que te cercam e que as pessoas podem ter o poder de influenciar a sua vida e sua personalidade, dependendo de como é a sua cabeça, é verdade. E no meu caso, a influencia atingiu o cerne do meu ser.

Passei dois anos e meio com uma pessoa que também tinha sérios problemas psico-emocionais e também não sabia lidar com eles. Não queria admitir que era e estava doente, era orgulhoso demais para isso. Arrogante. Mas não passava de um fracasso ambulante. Dizem que o sonho do oprimido é ser opressor e isso se revelou para mim como a luz do sol no amanhecer. Pena que foi um amanhecer cinzento. Ele me enganou com maestria. Me deu asas pra voar mas me prendeu numa gaiola. Disse que a porta sempre estaria aberta, mas sempre me manipulava para que eu continuasse lá dentro. Mas quando eu resolvi sair, ele me despedaçou. Não posso negar que essa tragédia foi também libertação, mas antes disso acontecer, minha mente foi quebrada em mil pedaços.



O principal aspecto de reforço foi a anulação. Uma série de eventos e palavras infortúnios foram somadas às minhas lembranças e sentimentos ao longo dos dois anos, que me machucaram como um milhão de cortes feitos por papel. Um dos pequenos cortes mais doloridos que existem. Ele reforçou minha anulação, reforçou minha insegurança, minha ansiedade. Ele acabou com a minha autoestima, me convenceu de que eu era um lixo que precisava ser restaurado para ser alguém, mas isso, segundo as diretrizes dele. Do que ele achava correto. Foi com ele que comecei a ficar doente, depressiva, em pânico. Sempre na defensiva, pensando em mil formas de não desagradar, de me anular, de ser quem eu achava que ele aprovaria, não quem eu era e me recriminar secretamente por saber que eu não era aquilo, mas achava que estava errada. De fingir, por medo, ter opiniões que eu não tinha, me forçar a ter argumentos sobre assuntos que não me interessavam e ter sempre que escolher um lado... Isso me matava... E tudo para, no final, sempre ouvir o quanto as pessoas iam achar que eu não tinha nada na cabeça por não falar muito... ao mesmo tempo que alimentava algum nível de relacionamento. Uma amizade doentia. Mesmo porque no ultimo ano de relacionamento não podia dizer que éramos namorados. Esse foi mais um ponto que ele quase destruiu. E hoje em dia, se eu pudesse dizer qualquer coisa para ele seria: Eu te odeio como nunca odiei nada na vida.



Dois anos praticamente se passaram depois que terminei com esse lixo. MUITAS coisas mudaram, aconteceram, muitas pessoas novas chegaram e muitas lembranças novas e boas se formaram. Dos últimos anos, esses dois foram de longe os mais positivos. Sinto que estou me curando. Minha frequencia de vida é outra em praticamente todos os aspectos. As musicas que ouço, os filmes que eu vejo, os seriados, as coisas que eu leio, os assuntos que me interessam, minhas filosofias de vida... tudo mudou. Tudo está se encaminhando para algo mais sólido. Não digo com raízes porque pra mim isso não é importante. O importante é ser sempre quem você é. Naquele determinado momento. Se eu tivesse que me descrever com uma palavra para todo o sempre, seria: Mutável. Hoje, nenhuma influencia vai alcançar meu cerne sem antes passar por filtros e  ao ser incorporada, será com consciencia. Com a minha permissão.

Não digo que não levo nada de bom dessa experiencia, pois levo sim. Hoje, com a mente pronta para isso, pude condensar alguns ensinamentos proveitosos de maneira a utiliza-los moldados à minha conveniência. Ficou o aspecto questionador, o aspecto de autoconfiança e não submissão. É engraçado pensar que o nível de manipulação do cara era tão grande que ele me dava as armas na mão mas me colocava vendas nos olhos para não poder usá-las contra ele. Pois o potencial era grande.

Ficaram os gostos musicais. Sim, as bandas depressivas (interessante, não?!) Aos quais tenho carinho e considero grandes obras, mas não são mais as trilhas sonoras da minha vida como eram naquela época. Nunca foram, na realidade. Mais um aspecto de anulação. E hoje em dia, se eu pudesse dizer qualquer coisa para ele seria: Você tem um comportamento e personalidades de intensidade e drama forçados e todos dão risada de você pelas costas.

Já consegui superar muita coisa, principalmente com relação ao ex e as merdas que ele fez comigo. Me sinto uma sobrevivente e mais do que nunca sei o que é REAL liberdade. Liberdade e controle sobre minha própria vida e vontades. Não mais alienação.

Acredito que em todo esse tempo, a única coisa que ele me disse que reflete verdade e muito possivelmente era a coisa que ele mais temia que eu soubesse era: "Você é um demônio. Dá pra sentir que vc tem tudo isso ai dentro". Essa frase mudou tudo. Ele, sem querer, tirou a venda dos meus olhos.


Mas certas coisas ainda me assombram. Certas coisas são dificeis de me livrar. De matar. Lembranças, cenas, palavras... traumas. Ainda não atingi o nível homérico de lembrar e não me sentir magoada com certas coisas. Ainda tenho dificuldades em me expressar, principalmente dentro de casa. Ainda sinto aquela adolescente assustada e na defensiva, na iminencia de um conflito. E isso é o que eu mais gostaria de superar. Infelizmente, cada vez mais a resposta pra essa solução é iminente: Uma conversa sincera. Eu não queria precisar disso, realmente. Já pensei em escrever e entregar, mas sinto que não é o suficiente. Meus instintos me dizem que uma conversa olho no olho destrancaria a energia concentrada dessa situação de anos e possivelmente com uma certa carga emocional. É isso o que eu não suporto de imaginar, talvez resultado dos meus mecanismos de defesa. Me sinto constrangida de imaginar essa cena... Claro, tenho consciência que nada mudaria num passe de mágicas, mas traria algum alivio. Se não uma mudança para um cenário de família perfeita (o que eu acho impossível), mas mudaria a marcha para minha vida fluir melhor nos detalhes, que são essenciais para a fluência do todo. Sem os detalhes ajustados, o todo não anda.


E talvez os traumas perdessem ainda mais sua força...


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Nota da Thamy de 7 anos depois: Todos esses traumas foram superados e minha relação com meus pais mudou completamente depois que fiz terapia e que, curiosamente, entreguei essa cartinha que falei para eles, escrita de todo o meu coração, que curou a todos nós e sim, foi suficiente. Afinal de contas, entendi que as palavras escritas são o meu território, é onde eu me expresso e quando eu descobri o meu valor nesse sentido, elas se tornaram uma extensão extremamente válida de mim.

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